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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

25 de junho de 2007

O NOSSO CÉU

Estavam os dois deitados na cama de uma pousada linda, cravada numa montanha de Minas, ele no colo dela. Ela fazia cafuné, brincando com os cachos do cabelo dele. Ele, com aquela felicidade calma de quem se sabe no lugar certo, acompanhava com olhos lentos o passarinho que brincava na varanda. Falou:

- Outro dia vi um filme que retratava o céu de uma maneira interessante. Falava que o céu de cada pessoa é diferente do da outra. Que o paraíso é uma coisa particular, como se fosse um somatório das coisas que a gente mais gosta aqui na Terra. Aí eu fiquei pensando como é que seria o meu céu...
- E como ia ser?
- Ah! Pra começar não ia ter carro, nem asfalto, nem engarrafamento. Todo mundo andaria a pé, ou de bicicleta e o chão ia ser de grama, pras pessoas andarem mais descalças.
- É... Isso ia ser bom mesmo. No meu também não ia ter carro não.
- No meu céu também não ia ter revólver.
- No meu também não.
- E no meu céu ia ter uma casa com uma jabuticabeira no quintal. Sem falar que todo mundo ia ter a casa que quisesse. E se alguém não quisesse ter casa, então que não tivesse. E o seu céu?
- No meu céu não ia ter coluna social.
- Nossa! Perfeito. Como é que eu não tive essa idéia?
- E também não ia ter o Faustão.
- Putz! Tô achando que eu vou querer ir pro seu céu. Muito boas as suas idéias... Quem sabe a gente não junta as nossas idéias e faz um céu em dupla?
- Depende... Preciso saber mais sobre o seu céu então.
- Bom, no meu céu ia ter Galo e Cruzeiro todo domingo, e o Galo ia ganhar sempre de goleada, só com gols humilhantes do Reinaldo.
- Uai, e o Éder?
- Tá bom. Do Reinaldo e do Éder.
- Que mais?
- Ah... Ia ter todos aqueles butecos que a gente vai lá em BH. Com a diferença que a gente ia poder tomar todas as cervejas mais geladas com torresmo sem preocupar com barriga nem coração.
- E caipi abacaxi? Não vai ter? Se não tiver, não vou.
- Claro que vai ter! Vê se eu ia esquecer disso!
- Ah bom.
- Também não vai ter banco, bolsa de valores, inflação, risco-Brasil, nada disso. Aliás, nem dinheiro vai ter.
- É. Melhor não mexer com dinheiro não, porque quando tem dinheiro no meio vira um inferno. Só de pensar em banco, fila e boleto pra pagar já me dá enjôo.
- Dois então. Mas pensa mais coisa aí... Me ajuda também, uai! Só eu que dou sugestão...
- Tá. Eu quero que tenha comida japonesa...
- Boa! De preferência combinados de salmão. E muito saquê.
- Saquê é fundamental...
- E depois do japa não pode faltar você peladinha com aquele tesão que você fica quando toma saquê...
- Mas será que no céu pode?
- Claro que pode, uai. O céu é nosso! Aliás, deve! Porque se não puder transar então não é céu: é inferno!
- É, tem toda a razão... Sem transar é inferno mesmo. Tô adorando esse nosso céu!
- Sabe de outra coisa? No nosso céu tem que ter nós dois deitados nessa cama, eu no seu colo, você fazendo cafuné e brincando com o meu cabelo e a gente conversando sobre o céu. Porque pra mim não tem jeito de o céu ser muito melhor que isso aqui não...
- É. Não tem não... Acho que essa cama com você já é um pouquinho de céu mesmo.
- Por mim eu passava o resto da vida aqui com você.
- Quem dera...

E assim dormiram, um enrolado no corpo do outro, como se fosse um bicho só.

Hoje, três meses depois, já não estão mais juntos. Ele está solteiro, saindo quase toda noite com os amigos, enchendo a cara e ficando cada dia com uma mulher diferente. Tem umas que nem o nome ele lembra. Ela? Ela está namorando um gerente de banco.


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