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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

11 de setembro de 2007

NOMES EM SÉRIE

Cheguei apressado ao escritório e foi aí que vi, em cima do teclado do computador, o tal recadinho anotado com a letra insegura da Vânia, a secretária-faxineira, num pedaço de papel: “Léo te ligou. Pediu pra você retornar a ligação. URGENTE!”

Liguei imediatamente pro celular da Vânia, a secretária-faxineira, pra saber o complemento simples e indispensável daquele pedaço de informação anotado no papel:

-Vânia, sou eu!
-Oi, Patrão. Em que posso estar te atendendo?(Vânia, a faxineira-secretária, achava chique falar tudo no gerúndio).
-É que eu vi aqui o recado que você deixou, Vânia, mas eu preciso saber qual foi o Léo que me ligou.
-Como assim qual Léo, senhor?
-Uai, eu conheço milhares de Léos, Vânia! Preciso saber qual deles me ligou pra poder retornar essa tal ligação “urgente”.
-Olha, infelizmente isto eu não vou poder estar te informando, Doutor. Só sei que era Léo.

E foi assim, no meio dessa aflição de não saber qual dentre os trinta e sete Léos que eu conheço havia me ligado, que percebi uma verdade nítida e esmagadora: já não se fazem mais nomes como antigamente. Ah, há quanto tempo não se vê mais um Segismundo, um Bartolomeu, uma Aracy! Tivesse me ligado um Bartolomeu e certamente seria ele o único Bartolomeu que eu conheço. Na pior das hipóteses, haveria dois Bartolomeus. E feliz daquele que tem o prazer de possuir em sua roda de amigos duas pessoas com esse nome histórico e teatral.

Pois eu dou uma rápida olhada em minha agenda e encontro 37 Leonardos, 45 Rodrigos, 22 Julianas e 74 Marianas! Não bastasse usarmos todos as mesmas roupas, assistirmos às mesmas novelas, desejarmos os mesmos tênis e morarmos nas mesmas casas, agora, pasmem, temos todos os mesmos nomes. Somos uma infinidade de Marcelos, Felipes e Letícias. Produzimos em série até as nossas alcunhas. O processo de uniformização está completo: somos todos iguais e, o que é pior, almejamos ser iguais. Estranhamos os nomes raros e fazemos até piada, quando a verdadeira estranheza está justamente no fato de termos todos os mesmos oito ou dez nomes e acharmos isso normal. Engraçado e bizarro é um país só de Dudus.

Lembro-me agora da família do meu avô. Essa sim uma família de nomes únicos, límpidos e adjetivos. Sim, adjetivos, uma vez que qualificavam a pessoa, distinguiam-na na multidão de outros nomes. Vejam bem que beleza: Eldonícius, Polinícius, Semirames, Magdala, Zenaide e Rhéa Sylvia. Todos primos, parte de uma mesma família. Percebam: Magdala só há de ser uma. Rhéa Sylvia também não há duas. E se alguma voz gritasse de longe, bem de longe, “Eldonícius, o almoço está pronto” certamente o saudoso primo do meu avô saberia que aquela haveria de ser a voz da sua querida mãe. Hoje em dia, tal fato seria impensável. Uma mãe que ouse berrar por aí na busca de um Leonardo para o almoço certamente haverá de ter em sua porta em questão de segundos toda uma horda de Leonardos famintos.

Distinto tio de também distinto nome que rodava pra lá e pra cá em seu fusca amarelo cocô era o Amílcar. Vejam que digno nome, também hoje condenado a um indevido ostracismo. Mas falei no fusca e preciso completar. À medida que foi envelhecendo, nosso querido Tio Amílcar, que já era baixinho, foi encolhendo. No fim da vida, era menor que um gnomo. De tal forma que ao pilotar o seu tradicional fusca amarelo cocô era impossível visualizar o motorista. O “fusca-fantasma” fazia bruscas conversões, balizas milimétricas, arrojadas ultrapassagens e a alegria das crianças do bairro. Não se sabe como...

Volto à minha agenda. Começo, atenciosamente, a repassar todos os Leonardos na tentativa improdutiva de localizar aquele que me havia ligado e percebo: não há em minha agenda, ou melhor, em todo o território brasileiro, um único elemento que seja conhecido simplesmente como “Léo”. É absolutamente necessário qualificar o nome com algum complemento: Léo Gordo, Léo Cabeça, Léo Bago-de-Boi, Léo Jeba, e por aí vai.

Mas toca o telefone:
-Alô!
-Alô. Quem fala?
-É o Léo, pô! Deixei recado aí pra você me ligar urgente.
-Qual Léo?
-Como assim qual Léo? Só Léo, uai.
-Só Léo?
-É! Só Léo.
-Então deve ser engano, meu filho. Não conheço nenhum Léo. Passar bem...


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