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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

18 de julho de 2004

PC

PC, ao contrário do que possa parecer, não se chama "Paulo César". Seu nome é Duílio, mas ganhou esse apelido por trabalhar por muitos anos na venda de computadores. Entretanto, a grande paixão da vida de PC sempre foi a boemia. Adorava a combinação explosiva de noite, alcoolismo em larga escala e mulheres - todo o tipo de mulheres.
Naquela noite de sexta-feira, a programação já estava sendo combinada no boteco copo sujo em frente à sua loja de computadores, local onde PC e seus amigos sempre se encontravam para um repiáuer. Tomariam uma cerveja ali até umas oito horas e depois cada um iria para sua casa se aprontar para a boate da moda: "Elevador". A "Elevador" era uma boate que se situava no centro da cidade, no terraço de um arranha-céu. Era toda envidraçada e possibilitava uma belíssima vista aérea da cidade, que ia ficando mais bonita e mais poética à medida que os freqüentadores da distinta casa iam se embebedando.
Oito horas e o pessoal já se levantava da mesa quando PC se manifestou, já com a língua trôpega:
-Não vou tomar porcaria de banho nenhum! Podem ir se perfumar que eu vou ficar tomando mais umas por aqui e a gente se encontra direto lá na boate. Bando de frescos, isso sim!
O pessoal já o conhecia bem e sabia que não havia como discutir com PC após o terceiro "Submarino". Para quem não sabe, Submarino é um drinque que consiste de uma dose de Steinhaeger gelado misturada a um copo de cerveja. O resultado dessa mistura é uma bebida muito saborosa que leva o sujeito à inconsciência em minutos, sem dar a ele a chance de perceber ou reagir. E era a bebida preferida de PC.
Quando chegaram à disputada casa noturna, os amigos de PC se depararam com uma cena bizarra: no meio da pista da boate mais badalada do momento, PC se engalfinhava com o ser mais feio que já se teve notícia em toda a história ocidental. Ele beijava, amassava e rodopiava na pista de dança com um bucho unânime e repito: -Não há sequer um ser humano vivo que pudesse classificar como bela aquela pobre que se desmanchava em cenas dignas de carnaval proibido nos braços de PC. Após o susto, rapidamente se aproximaram do casal e ouviu-se a constatação hilária:
-Olhando assim, mais de perto, acho que é mulher!
E o outro amigo retrucou:
-Também acho! Pelo menos não está latindo.
Foi aí então que resolveram abordar PC para averiguar a situação do rapaz. Descabelado, olhos cerrados e vermelhos, camisa desabotoada e cheio de marcas do mais vagabundo batom vermelho, ele balbuciou:
-Já apresentei a vocês o meu docinho-de-leite? Como é seu nome mesmo, amorzinho?
E ela respondeu encantada:
-Vinícias, meu anjo.
Foi o suficiente para que os amigos o puxassem para um canto e dessem a bronca necessária:
-Você está louco, meu filho? Tem noção do que está fazendo? Queimando seu filme aqui no meio da "Elevador" com esse tribufu lamentável?
Mas PC já não conseguia mais se manifestar. Àquela altura, já era impossível para ele concatenar consoantes e vogais a fim de construir uma palavra que fosse. Seus amigos então lhe tomaram o copo de uísque e entregaram uma garrafa d’água. Porém, enquanto bebia a água, aproveitava para beijar com volúpia e ereção aquele bucho inexplicável, sob o olhar atento e estarrecido das mais lindas mulheres da cidade, que se dispunham numa roda em volta do inacreditável casal, como que assistindo a um espetáculo circense.
Foi nesse momento que a água que PC bebia começou a surtir algum efeito positivo, ajudando-o a recobrar os sentidos. Primeiro, começou a ouvir as batidas da música eletrônica que ecoava no local. Depois, começou a enxergar flashes da luz que piscava e parecia se mover, deixando-o nauseado. Até que, de repente, ele retomou parte da consciência e vislumbrou a seguinte cena: em sua frente Vinícias, aquele "e.t." horroroso, mexia no seu cabelo enquanto ele avistava todas aquelas luzes da cidade, bem distantes, lá embaixo. Não conseguia ainda entender muito bem as coisas mas, apavorado, fez a constatação cabível:
-Puta que o pariu! Fui abduzido!




15 de julho de 2004

O SOLTEIRO

Narro esta história na primeira pessoa do singular por um motivo muito simples: aconteceu comigo.

Se você é daqueles que já há algum tempo vive desfrutando da confortável companhia de sua cara metade, talvez tenha se esquecido do quanto é imprevisível o que pode acontecer a um homem solteiro numa madrugada. Existe também a possibilidade de você fazer parte do privilegiado e seleto grupo dos namoradores natos, cujas lembranças mais recentes da época de solteiro se resumem a algumas partidas de tapão no recreio da escola ou até mesmo aquelas deliciosas trocas de figurinhas. De qualquer modo, não interessa.
O que interessa é que era Sábado à noite e haveria uma festa sobre a qual o Cabeça havia dado as melhores referências, com assinatura em baixo de outro amigo: o Modelo (assim apelidado pelo fato de seu principal ganha pão serem os desfiles de moda). Em suas descrições da mesma festa em anos anteriores eles quase babavam ao descrever a farta presença de mulheres, bebida e comida – uma mistura sensacional, se não fosse diarreica.
Como é de costume em eventos deste porte, o nível alcoólico já superava em muito o recomendado no momento em que partimos para a festa eu, Cabeça, Modelo e Grisalho, que levava consigo, além da já habitual e costumeira cabeleira branca, mais uma garrafa do escocês.
A chegada à festa foi animadora, uma vez que, fato raro na vida de um solteiro nato, as grandes expectativas criadas não geraram a decepção quase tradicional. Mas eu me referi ao solteiro nato e preciso explicar. Não se trata de um ser humano qualquer, não. O solteiro nato se destaca dos demais por ser, acima de tudo, um desbravador. Um bandeirante motivado não por esmeraldas, mas pelas curvas de um belo rabicó feminino. Um Borba Gato apaixonado pela possibilidade de encontrar um tesouro ainda intocado (pelo menos por ele próprio).
Voltemos à festa. Algum tempo de amnésia alcoólica se sucedeu, mas quando voltei ao comando, grata surpresa: estava conversando com uma fêmea de boa peitaria e cabelos compridos, personagem de antigos carnavais. O abate era inevitável. Seu nome era Luana. Alguns amigos a apelidaram maldosamente de Luana B.O., em virtude de favores orais que ela habilmente me fornecera numa noite de reveillon no litoral baiano. Boquete de ouro.
Mas vamos deixar de lado a desonrosa descrição da pobre, para que possamos prosseguir. Segui com ela, não consigo me lembrar por quê, para um dos lugares mais movimentados da festa: uma boate a céu aberto para onde a maioria das pessoas havia se dirigido em busca de mais pessoas e música dançante. Foi exatamente nesse local repleto que, sem noção, iniciei com Luana um processo de exploração explícita e mútua de nossos corpos bêbados. Processo este que envolvia a desabotoadura de roupas e eventuais carícias públicas a partes pudendas. O enlace evoluiu de tal forma que resolvemos realizar ali mesmo, perante o olhar esbugalhado dos incautos espectadores, a inadiável conjunção carnal. Perdoe-me o paciente leitor, mas esta última frase é mentirosa. Não há nela uma única afirmação verdadeira, mas não pude resistir e acabei inventando esse desfecho inverídico, porém muito mais atraente. A verdade é que causamos sim um certo estupor, mas contivemos nosso élan antes que o fato se consumasse, quando ela disse que teria que ir embora.
A reação que se espera de alguém numa situação dessas é que esboce, no mínimo, um certo pesar pela partida da parceira, mas não tenho esta decência. Assim que fui informado por Luana da necessidade de sua partida, comecei a vislumbrar a possibilidade de ampliar meu campo de atuação, afinal de contas não faltavam naquela festa mulheres irretocáveis e apetecíveis. E além do mais, àquela altura eu já estava com a confiança natural de um ébrio que já não possui mais o olhar do lobo.
O conceito do olhar do lobo, para quem não sabe, é tão infalível quanto a lei da gravidade. Trata-se de uma verdade matemática e inquestionável: quando um homem deseja muito uma mulher, ele transmite esse desejo através do olhar de forma escancarada e involuntária, assim como um lobo a procura de comida. O problema reside justamente aí. Percebendo-se desejada, a presa, digo, a mulher, sente-se valorizada, e todos sabemos que o acréscimo da auto estima feminina gera aumentos exponenciais na possibilidade de rejeição.
E foi assim, com os olhos confiantes de um lobo saciado, que fui acompanhar Luana até a saída da festa. Durante esse percurso, fui surpreendido por um leve pontapé nas nádegas, que imaginei oriundo de pés amigos. Entretanto, quando me virei para fazer a reverência, deparei com um antigo e flácido desafeto, que me olhava fixamente, convocando-me, pasmem, para uma briga. Não entendi muito bem o que poderia estar motivando aquela adiposa criatura a querer partir para as vias de fato, até que Luana se manifestou, identificando-o como seu ex-namorado. Na certa ele havia passado pela cruel experiência de assistir sua casta e pura amada fazendo par romântico com um antigo desafeto seu num espetáculo libidinoso aberto ao público. Mesmo levando em conta a agudez da situação, não concordo que fosse motivo para realizar ali, no meio de um ambiente festivo, uma disputa corpórea. Mas não consegui dissuadi-lo da idéia, e o que se viu daí em diante foi uma exibição grotesca de golpes, baixos ou não, que só terminou quando meu oponente desfaleceu e pude, enfim, embebedar seu rosto em uísque, ateando fogo na face ensanguentada. Felizmente, ou infelizmente, a passagem em que descrevo a briga é, novamente, mentirosa. Mais uma vez não consegui conter meu ímpeto de dar à história um desfecho que considero ideal, mas não tenho outra intenção senão relatar os fatos da forma como eles realmente se sucederam. Peço desculpas e permissão para continuar a partir do momento em que relatei o último fato verídico.
Não concordo com a resolução física para esse tipo de problema, e também não sou tão valente assim. A verdade é que quando partiríamos para a contenda, Luana intercedeu segurando seu vergonhoso ex-namorado, situação da qual me aproveitei, retirando-me do alcance visual daquele agressor em potencial, em busca da segurança proporcionada pela minha roda de amigos. Aliás, amigos esses que ficaram furiosos ao me ouvir relatar o fato e passaram então o resto da noite, em vão, à procura daquele selvagem que quisera agredir o mais pacato dos cidadãos.
Findado este pequeno melodrama, pude retomar meu plano inicial. Já estava livre daquela putinha, e agora poderia voltar minhas atenções às beldades presentes. Mas, infelizmente, já era tarde demais: o episódio da briga havia tomado, sem que eu percebesse, o tempo que me sobrava de festa, e as tão desejadas beldades haviam partido, deixando a mim e a meus amigos a triste opção da partida.
Eu poderia terminar aqui, mas outras coisas aconteceram e peço que me acompanhem até o final – afinal, não falta muito.
Quando chegamos, Modelo e eu, ao local onde havíamos estacionado, tivemos a triste constatação: nossos “amigos” Cabeça e Grisalho haviam partido, restando-nos apenas a esperança de uma carona salvadora, uma vez que já não havia mais táxis àquela hora. Foi o que aconteceu. Fazíamos o tradicional gesto da carona com o dedão quando um carro estacionou. Era um carro pequeníssimo, quase lotado com três passageiros: um casal ia na frente enquanto uma gordinha se esparramava no banco de trás. Acabou a moleza – ajeitamos a gorda e nos esprememos lá atrás. A partir daí, iniciou-se mais um drama. Modelo dormia e eu tinha o corpo pressionado por dois corpos volumosos, somados ao efeito explosivo da mistura já citada de comida e bebida em excesso. Além disso, a embriaguez me reduzira drasticamente o controle do esfíncter, justamente no momento em que me atacava uma crise de gases. Mas eu tive sorte. Se bem que nem tanta sorte assim. Eu explico: tive sorte porque, no momento da inevitável flatulência, soltei gases inaudíveis. O problema é que, justamente por serem inaudíveis, não eram inodoros. O mau cheiro infestou em poucos segundos aquele pequeno carro, de vidros embaçados, e veio acompanhado de um terrível mal estar que levou os dois do banco da frente a abrirem rapidamente as janelas, fazendo com que uma rajada de vento congelante e desconfortável do alvorecer invadisse o interior do veículo, cumprindo uma missão desinfetante. Consegui contornar a incômoda situação acusando meu amigo que dormia, eximindo-me de qualquer culpa. Mas o bem estar durou pouco, uma vez que emendei outra bomba na sequência – gota d’água para o dono do veículo. Atordoado pelo efeito dos gases e indignado com a falta de respeito ele parou o carro e mandou que descêssemos. O motorista estava certo. Em seu lugar eu provavelmente teria feito o mesmo, por isso descemos sem argumentar. Naquela hora da manhã, voltávamos a pé para casa sob golpes de um vento antártico, quando o Modelo fez a pergunta impensável:
-E amanhã? Qual vai ser a programação?




5 de julho de 2004

TRAIÇÃO

Vou contar uma coisa sobre o comportamento masculino que, para muitos, talvez não seja novidade. Mas é algo que precisa ser dito. Existem apenas dois tipos de homem: os que traem e os que querem trair. Deve haver, eu imagino, alguns que são fiéis, mas estou aqui para falar apenas dos normais.
Para mim, esta é uma constatação de um dado obvio, evidente. Se quiser saber se um homem é do tipo que pega outras mulheres ou do tipo que quer pegar, basta prestar atenção no modo como tratam suas esposas. Aqueles que traem as esposas tratam-nas melhor.
O problema é que para este mesmo homem, nascido e criado para trair, foi armada uma arapuca, um script da vida que não condiz com a premissa inicial da infidelidade. Todo mundo sabe que o caminho dito “normal” é o sujeito se casar, ter filhos, criar os filhos, ter netos, blá, blá, bla´... Entretanto, a mesma sociedade que desenhou este caminho não aceita a infidelidade, e é aí que começa toda a podridão.
O que acontece é o seguinte: se sabemos que o rapaz ou trai ou quer trair, como então conciliar este dado com a vida de casado? Vejo, num primeiro momento, duas respostas a esta pergunta. Uma das soluções mais imediatas é o sexo comprado. Facilita demais a vida do marido, uma vez que este não se sente realmente um infiel, na medida em que está pagando por um serviço que o desobriga a ter qualquer tipo de envolvimento com a prestadora. Isso, para o marido, é uma beleza. Ele sabe que, para a mulher, sentimento é uma coisa muito importante num relacionamento. Se não há sentimento, a traição é menos grave. A prostituta se torna, assim, uma espécie de carregadora de piano. Ela é paga para tirar das costas dos maridos o peso da mochila da traição. Outra opção, talvez mais antiga que a mais antiga das vocações, é a chamada vista grossa. A mulher sabe que está sendo traída, sempre. O que ela faz? Algumas, as mais autênticas, realmente brigam e terminam o casamento. Outras, porém, mesmo sabendo da traição, tentam manter as aparências. São as piores. Às vezes, traem o marido numa forma de vingança que pode acabar se transformando num autoflagelo. A mulher acaba se degradando, se mutilando, se torna capaz de atos incoerentes com seu pensamento. O ser humano sempre procura o caminho da autodestruição. É da sua natureza.
O leitor deve ter percebido que escrevi o texto deixando clara a participação do homem de forma diferente à da mulher. Entretanto, hoje sabemos que este tratamento diferenciado não precisa mais ser dado. As mulheres, em questões dessa natureza, estão cada vez mais parecidas com os homens, com o agravante de que são melhores em dissimular. Pode-se trocar a palavra “marido” por “esposa”, “homem” por “mulher”, e o que quero dizer ainda assim fará sentido. Mas o que quero realmente dizer?
É o seguinte: se sabemos, e como sabemos, de tantos casos em que houve a traição, por que não aprendemos a relevá-la? Por que não a tratamos como fato corriqueiro cotidiano? Só para começar, poderíamos parar de denominar “traição” as relações extraconjugais. O conceito de “traição” está diretamente ligado à idéia de deslealdade. Pois vejam: se não houver mentira, não haverá a deslealdade – não é traição.
O motivo que me induz a levantar essa questão já foi citado acima, mas vale a pena insistir: se há tanta gente traindo seus parceiros, por que então não transformar a relação extraconjugal em algo difundido e aceito pela maioria? Por que não facilitamos as coisas? Será que é necessária a sensação de perigo? Será que precisamos sentir o prazer de transgredir as regras do jogo?
A outra opção seria aprendermos a não querer trair, mas isso, a esta altura do campeonato, eu acho difícil. O que há, na doentia mente humana, que nos faz trair mas abomina a idéia de sermos traídos?




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