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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

26 de maio de 2010

VENENO REMÉDIO

Saiu do consultório com uma prescrição médica no bolso e uma esperança na cabeça. Precisava comprar urgentemente aquele remédio que, de acordo com o Doutor, seria finalmente responsável pelo seu alívio. Àquela altura, a dor já ultrapassava em muito o limite suportável. Havia alguns dias já vinha pensando que, se continuasse daquele jeito, não valeria a pena dar continuidade à sua vida. Tinha ouvido falar de dores paralisantes, o que definitivamente não era seu caso: a sua fazia-o dançar. Não conseguia ficar parado. Era como o personagem de Nelson Rodrigues, que parecia dançar mambo ao manifestar seu desespero.

Desde o início das crises que sua biografia se resumia à resignação: ora sentir a dor lancinante, ora esperar por ela. E essa expectativa da dor lhe era tão horrenda e massacrante quanto a própria. Pela primeira vez cogitava se matar. Mas agora, ao que tudo indicava, não seria mais necessária tão drástica medida. O Doutor havia prescrito uma droga nova, que vinha sendo utilizada com grande sucesso em casos como o de Dorval.

Tão logo chegou à farmácia, foi lançando mão da receita médica e entregando, quase orgulhoso, ao farmacêutico no balcão. Ele leu, entrou para a sala do estoque e em poucos segundos voltava trazendo consigo a caixinha salvadora, que para Dorval era o passaporte para a vida. Entregou-a, mas não devolveu a receita médica: “É medicação com tarja, meu senhor. Vai só o remédio, a receita fica.” Dorval ficou preocupado. Em toda a sua vida, não se lembrava de episódio parecido, em que o farmacêutico tivesse retido a receita médica. “Deve ser um remédio muito forte mesmo”, pensou.

Chegou em casa ansioso para tomar logo o comprimido, na esperança da interrupção de suas crises, vislumbrando poder voltar a desfrutar novamente da euforia da saúde, coisa que ele agora sabia como poucos valorizar. Tinha a convicção de que saberia extrair do corpo saudável a mesma sensação de prazer e alucinação experimentada e relatada por quem injetava heroína pela primeira vez.

Antes de tomar o remédio, entretanto, em virtude da curiosidade aguçada pela retenção da receita médica pelo farmacêutico e pela tarja na caixa do remédio, resolveu ler a bula. “Os efeitos colaterais são ganho de peso, dificuldade de concentração e memória, tremor, sedação, problemas de coordenação, distúrbios gastrointestinais, perda de cabelos, leucocitose benigna, acne e edema. Também foram relatadas alterações eletrocardiográficas e hipotiroidismo. Pode produzir convulsões, coma e por fim a morte”. Ficou paralisado. Mas precisamente naquele momento é que se revelava, nua e crua, a real dimensão do seu problema. Pois aquele veneno, uma substância capaz de causar coma e morte, era algo que seu médico havia receitado para que ele melhorasse. “Se um veneno desses é o que vai me aliviar, então posso ter certeza que a minha situação está mesmo péssima”, concluiu. E tomou o comprimido.

3 comentários:

misha disse...

nem o alívio é um caminho simples!

Márcia Shintate disse...

Muito legal seu blog! Gostei dos textos! E que medo de tomar esse comprimido, neh.

Frederico Bernis disse...

O alívio atualmente é meu sonho de consumo...


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