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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

17 de maio de 2004

ANANIAS

Ananias era viúvo. Morava sozinho e trabalhava numa repartição da prefeitura. Já era senhor de idade, há muito tempo no serviço público e, por isso, totalmente contagiado pela preguiça e ineficiência de seus colegas de trabalho.
Poderiam dizer que a inoperância da repartição se devia à avançada idade dos funcionários, mas não procede. Quem realmente conhecia os rapazes sabia da grande eficiência e disposição daqueles gentis senhores quando o assunto era a inadiável e semestral “pescaria”. Sim! Fosse verão ou inverno, fizesse frio ou calor, ou até mesmo se viesse a falecer, numa infelicidade, um ente querido de algum deles, e haveria ainda uma certeza: nada impedirá a pescaria!
De seis em seis meses se organizavam, sob a batuta de Ananias, com pontualidade e eficácia jamais vistas em toda a história do serviço público, e partiam para a tão sonhada viagem ao Pantanal.
É bem verdade que a tal viagem oferecia, além da citada pescaria, outras formas de diversão. Uma delas, entretanto, causava particular furor no grupo: a chamada Torre de Babel.
A Torre de Babel era uma bem estruturada boate, situada no meio do Pantanal. Só se podia chegar até lá de barco, e era isso que faziam. Liderados por Ananias, alugavam uma chalana que os levava direto à “Torre”, onde poderiam contratar belíssimas acompanhantes nativas, que lhes propiciavam toda a sorte de favores sexuais, mediante singela bonificação.
Ah! Como eles se divertiam na Torre! Era como se voltassem no tempo, revivendo os anos permissivos, sem algemas, da juventude.
Certa vez, num desses fantásticos passeios à Torre de Babel, Ananias tivera uma idéia genial. No momento em que o barco partia da boate, agora sim, rumo à pescaria de fato, ele voltou ao garboso prostíbulo e contratou, para que seguisse viagem com ele, a mais bela de todas as nativas: Capitu! Como era bela! Com esse nome literário e feitio de índia virginal, passeava de biquíni vermelho e salto agulha no coração daqueles coroas.
Com Capitu e Ananias devidamente embarcados, este foi ao encontro de seus colegas. Exibia-a como um troféu, causando em todos grande alvoroço e palpitação. Dizem que havia até aqueles que salivavam intensamente diante da beleza da moça, e pulverizavam espessos perdigotos à medida que tentavam balbuciar algum elogio.
Eis o plano: tendo contratado Capitu por 500 reais pelos cinco dias de pescaria, Ananias a sublocaria aos companheiros por 200 reais cada, recuperando todo o dinheiro investido e ainda lucrando algum. Isso sem mencionar que continuava sendo ele o “proprietário” da beldade, podendo usufruir como e quando quisesse dos talentos da fogosa índia. Era isso. Ananias acabava de inventar o que ele mesmo chamou de “pescaria dos sonhos”.
Na busca maquiavélica do lucro, Ananias usava de métodos desleais. Distribuía amendoins e, em alguns casos extremos, dava aos amigos até comprimidos antiimpotência. Como se não bastasse, ainda fazia a moça ficar seminua pelo convés. Para aqueles que não se rendiam nem à tropical nudez da índia, Ananias tinha um último e infalível artifício: chamava a todos para assistir à impressionante habilidade da nativa, que o brindava com um irresistível trabalho oral.
Ganhou tanto dinheiro na viagem que chegou à inevitável conclusão:
-Vou levar essa pequena comigo pra casa. Ela é a minha galinha dos ovos de ouro!
Dito e feito. Uma semana depois Ananias chegava em casa com Capitu. Prometera a ela um belo ordenado mensal e tornou-se, por assim dizer, seu cafetão.
O problema era que, cada vez mais extasiado com a competência da moça, tornou-se seu maior cliente. Passava horas com ela no quarto, realizando atividades físicas intermináveis e malabarismos incompatíveis com sua já avançada idade.
Na repartição, os colegas já comentavam:
-É, rapaz! O Ananias não veio trabalhar de novo!
-Deve estar em casa traçando aquele bibiu.
-Qualquer dia desses ele tem um troço...
Não deu outra. Após longo sumiço da repartição, os colegas foram, preocupados, verificar o que havia acontecido. Em seu apartamento, a cena era desoladora: Capitu chorava copiosamente e Ananias estava morto, com a mão na maçaneta da porta e um leve sorriso nos lábios.


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